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E Qual é Dessa Viagem ?
Mas qual será o motivo que leva alguém a
empreender tal viagem solitária, andando
pelo mundo noite e dia, sol e chuva ?
Poderia simplesmente ser o motivo de
buscar seu intento em outro canto, em outro
lugar. Muita gente resolve viajar por muitos
motivos, porém essa viagem em que se
determina fazer andando assume um caráter
muito próprio, pessoal, e tem algo de
peregrinação, de missionário ( veremos isso
mais adiante ) , algo incomum.
Pela letra da música “ Você é a Única “ , de
Zé Ramalho, podemos perceber que se
passa um momento muito difícil em que se
“pensa em desistir”. Esse “desistir” se
desdobra em “pegar mundo afora e partir”.
Aqui, mais especificamente o Zé nos fala em
rejeição familiar e amizades incompletas,
porém devemos constatar outros motivos ou
algum motivo mais forte para essa viagem
de atravessar deserto , isso a partir da
análise de outras letras de músicas segundo
eles mesmos, protagonist
Vestígios da Luz
249
que desce nas veias dos corações/Ou é uma
prece que tece a teia de novas paixões/Das
bandeiras perdidas/Rasgadas nos mastros
das religiões/Que são guardiões da culpa, da
dor!//Eu sei que o que você precisa/Nesse
momento é de muito dinheiro/Pra pagar suas
contas e dívidas/Com a vida e com Deus/Mas
não são os meus pecados/Que irão lhe
absolver/É muito mais a ideia/De enfrentar o
problema e de resolver//Não vou cometer um
erro banal/Pra te convencer, eu quero é
poder!/Poder infinito de te conhecer/Você é a
única coisa que eu quero/Nesse mundo
vão/Me dê sua mão, a voz, já vou!
https://www.youtube.com/watch?v=RmLnGf
k8Fng
Na música “Descer a Serra”, Guilherme
Arantes, além de reforçar a ideia da viagem
passo a passo pela estrada, de ponta a
ponta, quando nos diz : “bebi cada
quilômetro medicinal “significando que cada
quilometro foi ‘bebido’ , ou seja ‘consumido’
, remete à ideia de ter sido ‘andado’ então; e
também, que medicinal seria se estivesse
falando em se ir cada quilômetro em viagem
sobre rodas ? O termo “medicinal” , por sua
vez, sugere que a estrada tem algum efeito
terapêutico se andada. Assim, algum
problema de saúde, possivelmente mental,
talvez espiritual, pode ser uma motivação
para fazer essa travessia “medicinal”. O
Guilherme nos diz ainda que ‘ ali na beira
matagal da linha, sempre iria embora’, mas
vá saber o que ele quer dizer com essa
Vestígios da Luz
250
metáfora muito pessoal usada, né ?
Descer a Serra
Guilherme Arantes
Tirei um dia de Sorocabana/Bebi cada
quilometro medicinal/Ali, na beira matagal da
linha/Eu sempre iria embora//Peguei o meu
amor e fui descer a serra/De conga esporte,
de beija-flor/De roupa velha, vento e vapor
https://www.youtube.com/watch?v=ubPycmk
EHHI
Voltando ao Marcelo Nova com o seu
“Camisa de Vênus “, temos aqui algo que
sugere também um motivo de se ir nessa
viagem, e que remete também a uma
rejeição, no que pode vir a ser também um
problema da sua mente em confusão,
segundo ele mesmo atesta: “ e eu ficava
com a impressão que essa cidade estava
contra mim “. Imagine como pode ficar a
cabeça de alguém para quem toda a cidade
está contra. É algo para que forçosamente a
pessoa só pense em se mandar; “picar a
mula” !
Lena
Camisa de Vênus
Lena como foi que aconteceu/Tanto tempo já
passou/Você foi dar um mergulho/E por
pouco não se afogou/Lena você ainda se
impressiona/Com carros sem capota/Com
Vestígios da Luz
250
discos de Bob Dylan/E madames com cara
de idiotas/Lena onde estão aquelas
fotos/Com você pousando nua/E que
livravam a minha cara/Quando você estava
na rua/Lena veja o que o tempo faz/Com as
pessoas que não querem/Perder o gás//De
sair na sexta à noite/Você logo ficava afim
E eu ficava com a impressão/ Que essa
cidade estava contra mim/Em Nova Iórque
foi ao Village/Pegou um táxi Down
Town/Apertou a mão de Ian Hunter/Hei isso
aqui não é nada mal/Já voamos a favor do
vento/Nadamos contra correnteza/Mas nada
foi suficiente/Isso nós já temos certeza//Lena
veja o que o tempo faz/Com as pessoas que
não querem/Perder o gás//Lena como foi que
isso aconteceu/Tanto tempo já passou/Você
foi dar um mergulho /E por pouco não se
afogou /Lena você ainda se
impressiona/Com aqueles carros antigos
vermelhos sem capota/Com discos de Janis
Joplin/E madames com cara de idiotas/Lena
onde estão aquelas fotos/Com você nua/E
que livravam a minha cara/Quando você
estava na rua//Lena veja o que o tempo
faz/Com as pessoas que não querem/Perder
o gás
https://www.youtube.com/watch?v=hkwForm
UvCo
Em “Ovelha” de Edson Gomes, a ideia de
pegar estrada em caminhada está
diretamente relacionada a uma desilusão, a
um desgosto. Edson Gomes nos afirma
entre outras que ’ já não liga para mais nada
, nem mesmo para a namorada, que lhe deu
Vestígios da Luz
252
o coração’ e em seguida afirma que vai
mesmo assim, que vai caminhar. Uma alusão
a sua caminhada por estrada.
Ovelha
Edson Gomes
Há dias na vida que a gente pensa que não
vai conseguir/Há dias na vida que a gente
pensa em desistir/Há dias na vida que a
gente pensa em sumir/E a turma la em casa
já está apavorada com a minha decisão/É
que não ligo mais nada/Nem mesmo a
namorada, que me deu o coração/Eu
gostaria de ficar com você um pouco
mais//Vou por ai, vou mesmo assim, vou por
ai//Vou por ai, vou mesmo assim, vou
caminhar//Eu também sou a ovelha negra da
família
https://www.youtube.com/watch?v=DptkZTer
cJg
Em “ Quem me levará sou eu “ , Fagner nos
parece reportar a viagem pela estrada
apenas por uma aventura com perspectivas
de coisas boas, positivas acontecerem no
seu local de destino. Aqui não se percebe de
claro modo algo factível, algum problema
que induza a se mandar andando pela
estrada. Mas a despeito de não haver
aparentemente qualquer menção específica
a algo que seja um problema de motivação
dessa viagem , no que começa se
expressando “ amigos a gente encontra; a
vida não é só aqui “, vai algum
Vestígios da Luz
253
ressentimento , desilusão, algo que não tá
batendo bem e “por lá” se pode alcançar.
Fica patente também a viagem caminhada
quando nos fala “cidades são casas de
braços” o que significa as pessoas que
podem ajudar nas cidades em que passa em
caminhada.
Quem Me Levará Sou Eu
Fagner
Amigos a gente encontra/O mundo não é só
aqui/Repare naquela estrada/Que distância
nos levará/As coisas que eu tenho aqui / Na
certa terei por lá/Segredos de um
caminhão/Fronteiras por desvendar/Não diga
que eu me perdi/Não mande me
procurar/Cidades que eu nunca vi/São casas
de braços a me agasalhar/Passar como
passam os dias/Se o calendário acabar/Eu
faço contar o tempo outra vez sim/Tudo
outra vez a passar/Não diga que eu fiquei
sozinho/Não mande alguém me
acompanhar/Repare a multidão precisa/De
alguém mais alto a lhe guiar/Quem me levará
sou eu/Quem regressará sou eu/Não diga
que eu não levo a guia/De quem souber me
amar
https://www.youtube.com/watch?v=vLDzTw
CsTZk
Em “Noturno” , a viagem está relacionada a
uma desilusão. Percebemos em “se hoje sou
deserto “ , quer dizer, ‘se foi parar no
deserto , é que não sabia que as flores com
Vestígios da Luz
254
o tempo perdem a força e a ventania vem
mais forte “, significando que uma ventania
forte e outra depois mais forte ainda lhe
causou algum insucesso. A “ventania” ( ou
“vento” ) também é um fator relatado em
relação à adversidade em muitos nesse
contexto.
Noturno
Fagner
O aço dos meus olhos/E o fel das minhas
palavras/Acalmaram meu silêncio/Mas
deixaram suas marcas/Se hoje sou deserto/É
que eu não sabia/Que as flores com o
tempo/Perdem a força/E a ventania vem mais
forte//Hoje só acredito/No pulsar das minhas
veias/E aquela luz que havia/Em cada ponto
de partida/Há muito me deixou//Ahhhh,
coração alado/Desfolharei meus olhos/Nesse
escuro véu/Não acredito mais/No fogo
ingênuo da paixão/São tantas
ilusões/Perdidas na lembrança/Nessa
estrada/Só quem pode me seguir sou eu/Sou
eu, sou eu, sou eu
https://www.youtube.com/watch?v=0xZqBA
HFRhg
Como em “Noturno”, onde Fagner se queixa
da “ventania”, em “ Alegria , Alegria “ ,
Caetano Veloso começa em afirmar
“caminhando contra o vento”. O vento aí é
um algo adverso, uma espécie de vilão. O
vento é algo então que incomoda, que
desmancha , que destrói, que derruba ,
enfim , aqui em Caetano , o vento representa
Vestígios da Luz
255
algo que desestrutura, que vem soprando e
contra o que o Caetano vai caminhando
contra.
Alegria Alegria
Caetano Veloso
Caminhando contra o vento/Sem lenço e
sem documento/No sol de quase
dezembro/Eu vou/O sol se reparte em
crimes/Espaçonaves, guerrilhas/Em
Cardinales bonitas/Eu vou//Em caras de
presidentes/Em grandes beijos de amor/Em
dentes, pernas, bandeiras/Bomba e Brigitte
Bardot//O sol nas bancas de revista/Me
enche de alegria e preguiça/Quem lê tanta
notícia/Eu vou//Por entre fotos e nomes/Os
olhos cheios de cores/O peito cheio de
amores vãos/Eu vou/Por que não, por que
não/Ela pensa em casamento/E eu nunca
mais fui à escola/Sem lenço e sem
documento/Eu vou//Eu tomo uma CocaCola/Ela
pensa em casamento/E uma canção
me consola/Eu vou//Por entre fotos e
nomes/Sem livros e sem fuzil/Sem fome,
sem telefone/No coração
Vestígios da Luz
256
com a problemática de um “tempo” que
sacode a cabeleira de tal forma que faz um
cego a vaguear á procura de alguém.
Frevo Mulher
Zé Ramalho
Quantos aqui ouvem os olhos eram de
fé/Quantos elementos amam aquela
mulher/Quantos homens eram inverno
outros verão/Outonos caindo secos no solo
da minha mão/Gemeram entre cabeças a
ponta do esporão/A folha do não-me-toque e
o medo da solidão/Veneno meu
companheiro desata no cantador/e
desemboca no primeiro açude do meu
amor/É quando o tempo sacode/A
cabeleira/A trança toda vermelha/Um olho
cego vagueia/Procurando por um
http://www.youtube.com/watch?v=T2aKQ9Y
hUt0
Em “ E Agora José ?” o sentido caminhar (
para o qual o poeta Carlos Drummond de
Andrade quer significar ‘marchar’ ) está
relacionado diretamente a vários fatores
negativos que acomete uma pessoa, no caso
aqui , “José” : ‘o fim da festa’ ( significando
o fim de tempos bons, divertidos ) , ‘a
solidão’ ( pois “está sem mulher; está sem
carinho” ) entre outros tantos
acontecimentos que são relacionados no
poema musicado por Paulo Diniz. E
motivado por essas negatividades “ José”
resolve se por a caminhar, ou melhor,
‘marchar’. O sentido de marchar deve ser
Vestígios da Luz
257
por causa da caminhada determinada no
passo a passo, como caminha a pessoa
nesse contexto.
E Agora José ?
Paulo Diniz
E agora, José?/A festa acabou,A luz
apagou,/O povo sumiu,/A noite esfriou,/E
agora, José?/E agora, você?/Você que é sem
nome,/Que zomba dos outros,/Você que faz
versos,/Que ama, protesta?/E agora,
José?/Está sem mulher,/Está sem
carinho,/Está sem discurso,/Já não pode
beber,/Já não pode fumar,/Cuspir já não
pode,/A noite esfriou,/O dia não veio,/O
bonde não veio,/O riso não veio/Não veio a
utopia/E tudo acabou/E tudo fugiu/E tudo
mofou,/E agora, José?//Sua doce
palavra,/Seu instante de febre,/Sua gula e
jejum,/Sua biblioteca,/Sua lavra de ouro,/Seu
terno de vidro,/Sua incoerência,/Seu ódio - e
agora?//Com a chave na mão/Quer abrir a
porta,/Não existe porta;/Quer morrer no
mar,/Mas o mar secou;/Quer ir para
minas,/Minas não há mais./José, e
agora?//Se você gritasse,/Se você
gemesse,/Se você tocasse/A valsa
vienense,/Se você dormisse,/Se você
cansasse,/Se você morresse/Mas você não
morre,/Você é duro, José!//Sozinho no
escuro/Qual bicho-do-mato,/Sem
teogonia,/Sem parede nua/Para se
encostar,/Sem cavalo preto/Que fuja a
galope,/Você marcha, José!/José, para
onde?/Você marcha José, José para
Vestígios da Luz
258
onde?/Marcha José, José para onde?/José
para onde?
Para onde?/E agora José?/José para
onde?/E agora José?/Para onde?
https://www.youtube.com/watch?v=yUodecrEmo
https://www.youtube.com/watch?v=1L9mZIx
gaq0
Em “Fera ferida”, Roberto Carlos nos fala de
alguns aspectos relativos ao que estamos
no momento tratando. Fala em “vendavais
constantes” , ideia análoga à da “ventania” ,
ou mesmo à do “vento” em Caetano Veloso.
Roberto aqui nos fala de muitos aspectos
negativos de uma vivência atribulada (
“atribulações” bem pode ser o real motivo
da viagem ) ; Roberto aqui reforça a ideia de
estrada andada e não pouco : “ eu andei
demais”, nos diz.
Fera Ferida
Roberto Carlos
Acabei com tudo/Escapei com vida/Tive as
roupas e os sonhos/Rasgados na minha
saída/Mas saí ferido/Sufocando meu
gemido/Fui o alvo perfeito/Muitas vezes no
peito atingido//Animal arisco/Domesticado
esquece o risco/Me deixei enganar/E até me
levar por você//Eu sei quanta tristeza eu
tive/Mas mesmo assim se vive/Morrendo aos
poucos por amor/Eu sei, o coração
Vestígios da Luz
259
perdoa/Mas não esquece à toa/E eu não me
esqueci//Não vou mudar/Esse caso não tem
solução/Sou fera ferida/No corpo, na alma e
no coração/Não vou mudar/Esse caso não
tem solução/Sou fera ferida/No corpo, na
alma e no coração //Eu andei demais/Não
olhei pra trás/Era solto em meus
passos/Bicho livre, sem rumo, sem laços/Me
senti sozinho/Tropeçando em meu
caminho/À procura de abrigo/Uma ajuda, um
lugar, um amigo/Animal ferido/Por instinto
decidido/Os meus rastros desfiz/Tentativa
infeliz de esquecer//Eu sei que flores
existiram/Mas que não resistiram/A
vendavais constantes//Eu sei que as
cicatrizes falam/Mas as palavras calam/O
que eu não me esqueci/Não vou mudar/Esse
caso não tem solução/Sou fera ferida/No
corpo, na alma e no coração//Não vou
mudar/Esse caso não tem solução/Sou fera
ferida/No corpo, na alma e no coração//Sou
fera ferida/No corpo, na alma e no
coração/Sou fera ferida/No corpo, na alma e
no coração
https://www.youtube.com/watch?v=nuYkxM
C-Tlg
Em “ Clube da Esquina II “ a ideia de
ventania está diretamente associada à
estrada: “ porque se chamava moço,
também se chamava estrada, viagem de
ventania”
Vestígios da Luz
260
Clube da Esquina II
Flávio Venturini
Porque se chamava moço/Também se
chamava estrada/Viagem de ventania/Nem
lembra se olhou pra trás/Ao primeiro passo,
aço, aço//Porque se chamava homem/
Também se chamavam sonhos/E sonhos
não envelhecem/Em meio a tantos gases
lacrimogênios/Ficam calmos, calmos,
calmos//E lá se vai mais um dia//E basta
contar compasso/e basta contar consigo/
bQue a chama não tem pavio/De tudo se faz
canção/E o coração/Na curva de um rio, rio/E
lá se vai mais um dia//E o Rio de asfalto e
gente/Entorna pelas ladeiras/ Entope o meio
fio/Esquina mais de um milhão/Quero ver
então a gente,/gente, gente...
https://www.youtube.com/watch?v=c8HAiPR
Whho
Em “Negros Blues” a mensagem da letra
reveste a partida, ‘a viagem’, o ‘pegar
estrada’, o ‘ir embora’ a também algo
adverso, algo que já não
Vestígios da Luz
260
a revestir o estradeiro de alguma aura
mística, pois se refere ao mesmo como
“profeta”.
Negros Blues
Jorge Mautner e Zé Ramalho
Quando os brancos começaram a
navegar/Em suas brancas caravelas/Por
mares nunca dantes navegados/Não sabiam
o que iam encontrar,//Mas bem que dentro
de suas cabeças/Haviam sonhos de ouro e
de arcas de tesouro/Foram encontrar
naquelas terras do além/Do além mar/E os
negros em seus navios
negreiros/Arrancados lá da África/Da Nigéria
e do Congo/E no porão dos navios
negreiros/Inventaram a palavra
camundongo//E os indígenas/Ah! Os
indígenas, quem são?/Mais antigos do que
tudo/Do que todos nós/Astronautas,
Atlântidas, mongóis/Sei lá... Sei lá.../Eu sei
lá.../Mas, quem saberá?//Não há nenhum
ressentimento/Nem pingo de um outro
sentimento/Nas palavras que eu digo/Nas
palavras, meu amigo//Somente quem tiver
caos dentro de si /poderá dar luz a grande
estrela bailarina!/Não há nenhum desejo de
vingança!/Só quero a paz e a esperança/por
cima desse ombros seus/Por cima desses
ombros meus/O viajante era um cara que
ficava viajando de um lugar pro outro/Sem
parar / Até que um dia ele começou a
viajar/De um lugar para dentro daquele
mesmo lugar/E um viajante é sempre um
estrangeiro/É um amante da sua
Vestígios da Luz
262
solidão/Ultimamente eu ando sem
dinheiro/Mas vai pintar conforme a
ocasião//E o profeta ficava que nem louco
dentro do seu apartamento sem saber como
pagar o aluguel/Sonhando com aquela
embriagante sombra do oásis do deserto
azul/ninguém é profeto em sua terra/verdade
triste esse ditado encerra/E é por isso que o
profeta vai embora/Pois ele sabe que chegou
a sua hora//E o profeta vai embora/Bem na
boca da aurora/Exatamente e justamente
nessa vigésima quinta hora/Eu gosto muito
de olhar para o céu/A estrala da umbanda é
igual a de Israel/Viva também a nação
muçulmana/Pois somos todos lá da Torre de
Babel/Por isso Shalom Shalom/
Salamaleicon maleicon salaam/ Saravá
bolofé / Quero todo mundo muito Odara /E
com muito muito axé//É que a nossa mãe
comum ela é africana /Agora ela é sulamericana/Ou
Iansã e Iemanjá/E a rainha de
Sabah /Passará o céu e a terra/Pois o que
dizem minhas palavras/Não passará/Jesus o
nazareno, o carpinteiro/Amai-vos uns aos
outros/Atire a primeira pedra aquele que
dentre vos nunca pecou//Tudo é
divino /Tudo é maravilhoso/Eu gosto
tanto/Do Caetano veloso, Gilberto Gil e
esses negros blues/Eu sou dos sambas e
dos maracatus/Eu sou dos xotes, dos cocos,
dos xaxados e dos blues/E eu também gosto
das canções hindus/E também del tango, si,
como no?/Pero, só se for à media luz/E
também del tango, Carlos Gardel/Gilberto Gil
e estes negros blues/ Gilberto Gil e estes
negros blues//Gilberto Gil, Tim Maia,Milton
Vestígios da Luz
263
Nascimento, Stevie Wonder, Ray Charles,
Bob Marley, Jimmy Cliff, Clementina de
Jesus, Paulinho da Viola, Nelson
Cavaquinho, Matinho da Vila, Black Out,
Jards Macalé, Gasolina , Heitor dos
Prazeres, Ataulfo Alves, Lupicínio
Rodrigues, Wilson Batista, Luiz Melodia,
Assis Valente e estes negros, negros
blues!!!
https://www.youtube.com/watch?v=ygZBj2O
HAwU
Em “Monólogo das Grandezas do Brasil”,
Belchior se diz cristão andando a pé. Fala
em falta de sossego, mas também fala em
falta de grana para pagar o trem:
Monólogo das Grandezas do Brasil
Belchior
Todo mundo sabe/todo mundo vê/Que tenho
sido amigo da ralé da minha rua/Que bebe
pra esquecer que a gente/É
Vestígios da Luz
264
nuclear./Como uma metrópole,/O meu
coração não pode parar/Mas também não
pode sangrar eternamente/Tá faltando
emprego/Neste meu lugar/Eu não tenho
sossego/Eu quero trabalhar/Já pensei até em
passar a fronteira./- eu vou pra São Paulo e
Rio/(Eldorados da além-mar)/A estrada é
uma estrela pra quem vai andar./Oh! Não!
Oh! Não!/Ai! Ai! Que bom que é/A lua branca,
um cristão andando a pé!/Ai! ai! que bom,
que bom se eu for/Pés no riacho, água
fresca, nosso senhor!/Vou voltar pro norte/
semana que vem/Deus já me deu sorte/ mas
tem um porém/Não me deu a grana/ pra eu
pagar o trem.
https://www.youtube.com/watch?v=jGW1rEf
Zs5g
Já aqui Belchior nos fala em “andar léguas
tiranas”, de até ficarem os pés “feridos”. O
termo “léguas tiranas” sugere que é como
se fosse uma lei, uma ordem, o de andar,
andar e andar pela estrada. Essa tirania
possivelmente vem do próprio desafio em si
que é cumprir uma viagem dessa á pé.
Retrato 3x4
Belchior
Eu me lembro muito bem do dia em que eu
cheguei/Jovem que desce do norte pra
cidade grande/Os pés cansados e feridos de
andar léguas tiranas/De lágrimas nos olhos
de ler o Pessoa/E de ver o verde da cana//Em
cada esquina que eu passava um guarda me
parava/Pedia os meus documentos e depois
Vestígios da Luz
265
sorria/Examinando o 3x4 da fotografia/E
estranhando o nome do lugar de onde eu
vinha//Pois o que pesa no norte, pela lei da
gravidade/Disso Newton já sabia: cai no sul,
grande cidade/São Paulo violento, corre o
Rio que me engana/ Copacabana, zona norte
e os cabarés da Lapa onde eu morei/Mesmo
vivendo assim, não me esqueci de amar/Que
o homem é pra mulher e o coração pra gente
dar/Mas a mulher, a mulher que eu amei/Não
pode me seguir não//Esses casos de família
e de dinheiro eu nunca entendi bem/Veloso,
o sol não é tão bonito pra quem vem do
norte e vai viver na rua/A noite fria me
ensinou a amar mais o meu dia/E pela dor eu
descobri o poder da alegria/E a certeza de
que tenho coisas novas/Coisas novas pra
dizer//A minha história é talvez/É talvez igual
a tua/ jovem que desceu do norte/Que no sul
viveu na rua/Que ficou desnorteado, como é
comum no seu tempo/Que ficou
desapontado / como é comum no seu
tempo/Que ficou apaixonado e violento
como você/Eu sou como você/Eu sou como
você/Eu sou como você que me ouve
agora/Eu sou como você/Como você
Para o Marcos Viana, são apaixonados que
cruzam o deserto em busca de um oásis. Em
outras palavras, a viagem aí é em busca de
sorte, de ventura:
A Miragem
Marcus Viana
Vestígios da Luz
266
Ah! Se pudéssemos contar/As voltas que a
vida dá/Pra que a gente possa/Encontrar um
grande amor.../É como se pudéssemos
contar/Todas estrelas do céu/Os grãos de
areia desse mar/Ainda assim.../ Pobre
coração/O dos apaixonados/Que cruzam o
deserto/Em busca de um oásis em
flor/Arriscando tudo por/Uma miragem/Pois
sabem que há uma fonte/Oculta nas areias
Bem aventurados/Os que dela bebem/
Porque para sempre/Serão consolados/
Somente por amor/A gente põe a mão/No
fogo da paixão/E deixa se queimar/Somente
por amor/Movemos terra e céus/Rasgando
sete véus/Saltamos do abismo/Sem olhar pra
trás/Somente por amor/E a vida se refaz /
Somente por amor/A gente põe a mão/No
fogo da paixão/E deixa se queimar
Somente por amor/Movemos terra e
céus/Rasgando sete véus/Saltamos do
abismo/Sem olhar pra trás/Somente por
amor/A vida se refaz/E a morte não é
mais/Prá nós
http://www.youtube.com/watch?v=o0CNGVW
4V9g
Em “Ingazeiras”, Ednardo fala-nos de uma
sedução que a estrada exerce sobre ele: “ a
estrada me seduz”:
Ingazeiras
Ednardo
Nasci pela Ingazeiras/Criado no oco do
Vestígios da Luz
267
mundo/Meus sonhos descendo ladeiras/
Varando/cancelas/Abrindo porteiras/Sem ter
o espanto da morte/Nem do ronco do trovão
/O sul, a sorte, a estrada me seduz//É ouro, é
pó, é ouro em pó que reluz//É ouro em pó, é
ouro em pó/É ouro em pó que reluz/O Sul, a
sorte, a estrada me seduz
http://www.youtube.com/watch?v=fwot2oIz3
As
Em “Natural”, a mensagem sobre o tema da
viagem nos faz entender que para certas
pessoas é natural a coisa de pegar estrada:
“Como é natural em você acontecer/Um
desejo de ver a cor da estrada e
desaparecer” Talvez algumas pessoas sejam
naturalmente afeitas a essa viagem; já
trazem na lama isso, quem sabe:
Natural
14 Bis
Penso em você, no seu jeito de falar/Sua
maneira de ser e perguntar o que é muito
natural//Como é natural em você acontecer
Um desejo de ver a cor da estrada e
desaparecer/Vou seguir os passos e tentar
saber/Onde em que cidade se escondeu
você//Quero, sem pensar, o seu jeito de
calar/De ouvir aquele resto de canção que
morre pelo ar/Que brinca pelo ar como coisa
natural/Em seu corpo tão sereno acende a
Vestígios da Luz
268
velha mania de cantar/Voz do coração
deixou, oh, oh/E pergunta sempre onde
andará você//Em meu coração há razão, oh,
oh/Não esqueço você
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